terça-feira, 9 de abril de 2013

Quem conta um conto - Seja bem-vindo

O que transforma um ambiente em lugar aconchegante? Vasculhando a memória é possível achar um espacinho confortável que remete a bons momentos. Aquele cheiro de terra molhada em um sítio, o aroma do bolo no forno na casa da avó, o cheiro de café pela manhã. O dito popular "Não há melhor lugar do que o nosso lar" foi tema da obra Casa Arrumada, do (grande!) escritor Carlos Drummond de Andrade.

Poeta e contista, o mineiro de Itabira conta com uma vasta obra que vai além de questionar José e apontar pedras ao longo do caminho. Em Casa Arrumada, Drummond permite a bagunça boa dentro de casa. Coisas fora do lugar aqui, uns arranhões ali, uma poeirinha acolá. É como visitar aquela tia que deixa você lamber a colher depois de misturar o recheio do bolo. A organização é necessária, mas uns escorregões mostram o tipo de gente que vive nessa casa.

Casa Arrumada é um pedido pelo bom uso do que é nosso. Transformar até deixar com a nossa cara, com o nosso jeito. Aquele cuidado excessivo de "não faz isso", "faz assim", desvanece a magia do que era para nos servir, e não o contrário. É como ganhar um livro e não ler por medo de amassar as páginas ou nunca pôr o disco na vitrola com medo da agulha arranhar. A vida é feita de pequenos riscos também. Histórias são contadas a partir de experiências vividas. Sonhos, pelo o que nunca foi realizado.

Agora, faça o teste. Leia Casa Arrumada e olhe em volta. Que cara tem a sua casa?

"Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente."

Carlos Drummond de Andrade


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