terça-feira, 16 de abril de 2013

Quem conta um conto - Vilarejos modernos

Escrito em 1995, o conto No Retiro da Figueira, de Moacyr Scliar, retrata de maneira clara o que vemos, e vivemos, hoje. O narrador-personagem conta como foi morar no condomínio que nomeia a obra e sua desilusão ao se deparar, em menos de um mês, com uma realidade fantasiosa como um bom sonho, enquanto durou.

Ao receber um bonito prospecto em casa, em que era anunciado um condomínio para famílias de alta renda, o personagem vai até o local, junto com a esposa. Cada membro da família se mostra seduzido por algum dos elementos oferecidos. Os filhos ficam encantados pelos pôneis, a esposa, maravilhada com o cuidadoso esquema de segurança. Com apenas 30 residências, a vasta área, com quadra de tênis e cento e doze árvores, poderia ser desfrutada aos som dos cantos dos bem-te-vi e sobre o olhar atento pela equipe de segurança. O personagem, pai de família, provedor da casa, pôde arcar com as despesas do luxuoso condomínio após receber uma promoção no trabalho.

Moacyr colocou de maneira sutil como cada membro da família pôde ser laçado de uma forma, sem ter chance de fugir do encanto do lugar que oferecia um novo estilo de vida. Cercado, com uma estrutura de auto-suficiência espantosa, o condomínio poderia lembrar antigos vilarejos, em que grupos com poucos integrantes sobreviviam ultrapassando os limites o mínimo possível. Para que deixar a segurança e o conforto e ir ao encontro de um novo mundo quando o melhor está ao lado de sua casa, ou da quadra de tênis?

Tudo seguia o curso perfeito. Os pássaros cantavam na hora certa, os vizinhos do mesmo nível social - que haviam sido escolhidos a dedo para receberem a proposta de compra de um dos imóveis - eram simpáticos. O chefe da segurança era prestativo, atencioso e carismático, responsável por organizar festas e torneios. A preocupação com a segurança motivou a grande maioria dos moradores a fazerem daquele local sua nova casa. O cuidado era tanto que foi feita uma lista com os parentes e amigos para que pudesse haver contato caso surgisse alguma necessidade. Motivo de precaução. Ou não.

Enfim tendo despertado de um sonho, os moradores se viram presos dentro dos bem cuidados e organizados limites do luxuoso condomínio. A equipe de segurança falara que nos arredores do local estavam criminosos perigosos, incluindo dois assassinos. As pessoas eram proibidas de sair  Ninguém podia arriscar ter contato com o mundo além dos muros. O perigo estava rondando. No quarto dia de isolamento forçado, os moradores se viram livres. Um jatinho aterrizou no campo de pouso e um homem desceu. Ele entregou uma maleta para o chefe da segurança e quase correndo, deixou o local. O chefe conferiu o conteúdo, chamou os outros seguranças. A equipe entrou no jatinho e fugiu. O resgate pelos moradores estava pago. Os golpistas foram para longe, para um lugar que ninguém mais os viu. Para fora dos limites de uma sociedade de sonhos.


Moacyr Scliar se formou em medicina, chegou a exercer a função e a lecionar como professor universitário. Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, escreveu contos, romances, novelas, literatura infantojuvenil e crônicas. Moacyr ganhou destaque na imprensa depois da polêmica envolvendo sua obra "Max e os felinos", em que o escritor canadense teria plagiado o livro, criando "As aventuras de Pi", que ganhou adaptação para o cinema, sendo indicado e premiado pelo Oscar.

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