terça-feira, 30 de abril de 2013

Quem conta um conto - Relato de um ilhado



Navegando pela vastidão de pixels da internet tive a sorte de encontrar a obra do escritor português Raul Brandão A Ilha Azul. O relato de viagem à ilha açoriana do Faial, publicado em 1926 no livro As Ilhas Desconhecidas, traz o realismo da descrição do militar e jornalista. Vindo de uma família de homens do mar, a temática é recorrente na obra de Raul e é a inspiração para A Ilha Azul.


Sem dúvida o trabalho se destaca pelo grau de discrição do ambiente e de seus elementos. Com pouquíssimas falas, Raul Brandão narra em primeira pessoa tudo o que vê a seu redor, a paisagem que cerca a ilha. A quantidade considerável de detalhe não torna a história pedante, pelo contrário, faz com que o universo em que o autor se encontra seja imaginado de forma clara pelo leitor. A descrição de cores, resultado do pôr-do-sol em contraste com a paisagem, dá um toque especial.

Na primeira parte, o ambiente da ilha é retratado. O relevo, as construções, o comportamento da população padronizado por um conjunto de regras, tudo passa pela observação de Raul Brandão. Em certos momentos a descrição é tão detalhada que chega nos sufoca. A angústia do narrador-personagem passa para o leitor. O cair da noite nos consome junto a ele.
"A tarde morre numa tinta tão melancólica que a custo não grito para me deixarem só. É um desmaio de tintas apagadas, de escuridão que não é ainda escuridão, de roxo que a toda a hora se transforma e transe. O vale dos Flamengos adormece em bruma e o Pico não sai dali, como um grande fantasma à minha espera. As cores da terra e do céu entranham-se umas nas outras em tons delicados que vão fundir-se em roxo escuro, mas que se aguentam diante de mim um momento único, pálidas e exangues, sufocadas..." (pág. 16 e 17)
É a paisagem ao redor que desperta curiosidade e observação por parte do narrador-personagem. Os limites geográficos inspiram ele ir além do que tem ao seu redor. O desconhecido torna-se sedutor por não poder ser destrinchado, tateado.
“Aquilo foi um sonho e nenhum sonho se chega a concluir – o sonho não cabe no mundo.” (pág. 58)
Os moradores da A Ilha Azul se destacam pela caça a baleias. Os animais são usados como fonte de renda, especialmente através da venda de óleo animal. Mais uma vez a descrição de Brandão é arrebatadora e conseguimos nos sentir tão indefesos como se estivéssemos na pequena embarcação próxima aos grandes monstros do mar que insistem em tentar nos jogar ao mar. A água quase sai das páginas para respingar em nós, assim como o cheiro de sangue e miolos quando a baleia é, enfim, pega. O perigo do trabalho é relatado de forma completa. A agonia quando o caçador vira caça.
“No barco está tudo calado e ansioso, ninguém diz palavra inútil: homens, barco, arpoador e arpão, tudo tem o mesmo corpo e a mesma alma. São sete, dominados pela acção, trespassados pelo ar e por este cheiro que penetra pela boca e pelos poros, gerador de energia – é um ser único, só nervos e vontade, à caça do monstro e com uma ponta de perigo que seduz – sem falar do negócio, que é excelente. (...) Mas há principalmente a necessidade de matar, de lutar (numa vida que é mais monótona pelo mar que os circundo e pelos montes que os entaipam), de vencer as contrariedades e os perigos – sentimento com raízes no mais profundo da alma humana.” (pág. 73 e 74)

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