Uma das grandes surpresas, e a maior satisfação, ao ler Entre os vândalos: a multidão e a sedução da
violência é graças à fuga do óbvio. Eu que já vi alguns (muitos) programas
sobre os hooligans fui surpreendida ao
me deparar com o olhar do jornalista Bill Buford. Além de não trazer relatos frios de confrontos
entre as torcidas. Buford deixa de lado o papel de expectador para ser
observador, trazendo reflexões sobre o que, afinal, parece instigar as massas.
O jornalista americano se depara com características únicas
da sociedade inglesa que podem ajudar a explicar o comportamento explosivo das
torcidas dos times de futebol. Comparando esse tipo de confronto com
manifestações políticas e sociais, Buford aborda de um ângulo pouco explorado o
sentimento de pertencer a um grupo: por que nos transformamos quando estamos
próximo a pessoas com o mesmo ideal?
O livro foi desenvolvido com base nas experiências vividas
pelo jornalista na década de 80. Ele foi a fundo para conhecer a ideologia das
principais torcidas inglesas de futebol. West Ham, Chelsea, Manchester United,
Totteham, cada torcida tem seu próprio conjunto de regras, seu modo de se
organizar e um poder tão forte que chega a fugir do controle até mesmo dos
times. Buford desmistifica o padrão do torcedor hooligan e critica se, na verdade, nós é que somos os responsáveis
por alimentar esse mito.
“Lembro-me de ter pensado: se o dia se tornar mais violento, quem deveria ser responsabilizado? Os ingleses, cujo comportamento na praça poderia ser considerado de tal modo provocativo que eles mereciam o tratamento que fosse? Os italianos, cujas boas-vindas consistiam em dirigir insultos a seus visitantes? Ou se poderia atribuir parte da culpa a esses homens com seus equipamentos televisivos e suas câmeras, cujas imagens pouco representativas serviriam tão somente para reforçar aquilo que todos já esperavam de antemão?” (págs. 76 e 77)
Os torcedores fanáticos que Buford conhece acabam por
enfraquecer as premissas que pareciam verdadeiras. Socialmente, as pessoas não eram
marginais. Cada um com seu trabalho, fosse como pedreiro ou como um quase
mafioso. Jovens de famílias estruturadas, com pais preocupados que poupam para
pagar o curso universitário dos filhos. O que afinal motiva as pessoas a
seguirem uma onda de violência que parece sem explicação?
Aos poucos, surgem líderes que ditam as regras do jogo para
fazer parte de uma torcida. Um rosto estranho entre milhares de fanáticos é facilmente
identificado e encarado com desconfiança. A violência quando a coisa “explode”
vai além do ato de barbárie e do cenário de guerra que se instalava instantaneamente
nas proximidades dos estádios. A brutalidade desse comportamento se mostra
convidativa. É o rompimento com o sufocamento social. É uma antítese, em que
cada um pode se sentir único, ao mesmo tempo em que é massa. Quando os
indivíduos se unem, a multidão pensa por si só.
“Existe uma expressão, ‘tornar-se parte da massa’. Trata-se, de certa maneira, de uma questão de linguagem: quando as ações de diferentes indivíduos são semelhantes e coerentes o suficiente para obrigar-nos a descrevê-las como atos de um corpo único, com um sujeito simples e um verbo no singular.” (pág. 165)
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