Destinos conturbados que se cruzaram pelo mero acaso da confusão caótica instaurada pela guerra. Uma história de amor atípica que traz inquietações recorrentes de quando tudo está fora do lugar. Conflitos políticos, familiares e pessoais estruturados ao molde bruto e grotesco da tensão bélica da guerra da Tchetchênia. Vidas distintas que tomaram o mesmo rumo. Histórias marcadas por fraqueza, perda e auto-conhecimento.
O romance O Filho da Mãe, de Bernardo Carvalho, tem como um dos focos a luta das mães russas por preservar seus filhos longe da guerra. O serviço militar compulsório termina por desfazer famílias em crise há anos. Os jovens não vêem sentindo em lutar pelo ideal de um país que se encontra mais desestruturado do que suas próprias vidas. Sentimentos são levados ao extremo, assim como as ações. Quando não há o que perder, o risco torna-se irrelevante.
Anna esconde dos filhos, Roman e Maksim, e do marido, Dmítri, um passado que a atormenta. O filho deixado para trás simboliza a reviravolta nos planos que ela tinha para a vida. Se apaixonar tão nova a ponto de sair do rumo do futuro que a esperava trouxe consequências irreversíveis. A falta é um sentimento constante. Sempre há um espaço vazio. Palavras não ditas. Histórias não contadas. Ironicamente, a guerra que destrói tantas famílias é a mesma que põe Anna cara a cara com seu passado e com erros que ela insistia em manter em segredo como se pudesse fazê-los desaparecer.
Olga foi educada para obedecer ao marido, mesmo que isso signifique prejudicar o próprio filho. Andrei foi fruto de bons anos ao lado do brasileiro Alexandre, mas que chegaram ao fim quando a profissão de botânico não dava condições de garantir o sustento da família, obrigando-o a voltar para a terra natal. Andrei e Nikolai, o padastro, nunca se deram bem. Sempre houve ciúmes de ambos por causa da atenção de Olga. Embora ela sempre acabasse ao lado do marido, não cedia tão facilmente a prestar socorro ao filho, ficando em meio a uma batalha particular.
Bernardo Carvalho, autor do livro |
As duas histórias se entrelaçam de maneira brilhante. Surge um romance de forma inusitada, particular, original, única. A guerra da Tchetchênia põe em xeque antigos medos e leva os personagens a saírem da zona de conforto para, enfim, confrontar um passado de erros. Mesmo diante de tanta confusão, o amor surge, como se vivesse de mãos dadas com a guerra. Um não existe sem o outro. São extremos que se completam.
Representante do Comitê das Mães dos Soldados de São Petersburgo, Marina é a personagem que costura a colcha de retalhos. Embora seus esforços para livrar os filhos de outras mães não minimizem a dor de ter perdido seu próprio filho do serviço obrigatório do exército russo, ela zela por impedir que outros sintam a dor que a agoniza todos os dias.
"As mães têm mais a ver com os guerras do que imaginam. É o contrário do que todo mundo pensa. Não pode haver guerra sem mães. Mais do que ninguém, as mães têm horror a perder. Você é capaz de tudo para evitar a morte de um filho. É capaz de defendê-lo contra a própria justiça. Os filhos estão acima de qualquer suspeita. Você é capaz de matar por um filho. E acaba recebendo o troco na mesma moeda quando a guerra o leva. Está pronta para defender a prole e o clã contra tudo. Sem querer ver que é daí que nascem as guerras. Todo mundo tem mãe. Até o pior canalha, o pior carrasco." (pág. 186)
O Filho da Mãe faz parte da série Amores Expressos, da editora Companhia das Letras. Para escrevê-lo, Bernardo Carvalho foi convidado a viver em São Petersburgo, na Rússia. Cada autor envolvido no projeto foi enviado para uma cidade diferente, tomando-a como referência e inspiração para sua obra.
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