terça-feira, 12 de março de 2013

Quem conta um conto - Vale quanto custa?

Afinal, qual o valor de uma lembrança? Os objetos ganham valor inestimável, ou pelo menos alto demais, pelas histórias que trazem. Representações personificadas de momentos únicos na vida de alguém que pode significar nada para quem não viveu da mesma experiência. Um relógio pode ser somente um relógio, assim como uma caneta pode ser somente uma caneta. O valor que damos a tudo na vida, esse é o fio que costura o romance de estreia do cartunista Lourenço Mutarelli, O Cheiro do Ralo. Lançada em 2002 (Devir), a obra conta o dia a dia de uma loja de compra e venda de antiguidades e a vida de seu dono, que traz tantos outros questionamentos sobre valor.
Na adaptação para o cinema, Selton Mello vive o protagonista.

Nenhum personagem tem nome. Eles são lembrados e remetidos de outros modos. A empregada, a noiva, a mocinha assustada, a dona do reloginho e, claro, a bunda. Os personagens são apresentados por fragmentos, assim como os objetos que têm a oferecer para a venda. Cada um que entra na sala de negociação conta a história daquilo que leva. Pouco conhecemos, ou nada conhecemos, sobre quem dá tanta importância àquilo que tem em mãos.

Capa da 1ª edição
Tem história que o leitor nem se dá conta, afinal, do que adianta? São histórias que foram vividas somente pelo outro. Que sentido tem em sabermos o que aconteceu com o objeto se não foi deixado uma marca em nós, mas no outro? A lembrança de alguém não tem valor, se não emocional e não pode ser transferida. A música na caixinha da bailarina, que agora toca no caminhão de gás, era tocada ao piano pela mãe de outra pessoa, não pela minha ou pela sua. Para nós, é somente uma caixinha que toca a música enquanto uma bailarina dança. E só.
"De todas as coisas que tive, as que mais me valeram, das que mais sinto falta, são as coisas que não se pode tocar. São as coisas que não estão ao alcance de nossas mãos. São as coisas que não fazem parte do mundo da matéria."
O mau cheiro que sai do ralo do banheirinho da sala é a representação da causa e consequência proveniente das escolhas feitas. Não se pode ter tudo na vida, eis a lição que a metáfora quer reforçar. O cheiro é o preço necessário para o protagonista ter aquilo que quer: admirar o fragmento daquela que o interessa. O rosto e o nome difícil são partes que não despertam curiosidade. Por que comprar um pacote completo somente por causa de uma parte? 
"Vocês mostram o que tem, eu digo se interessa e quanto vale."
Para o protagonista, tudo é suscetível de compra. Nada precisa ser conquistado se pode ser adquirido pagando. A narrativa tem como base o questionamento de que a vida é feita de fragmentos. Usamos histórias emprestadas para preencher lacunas de dúvidas e derrotas que acumulamos durante os anos. Damos tamanho importância a objetos pela representação e pelo significado inventado para preencher vazios que volta e meia parecem nos consumir. Daí o interesse do protagonista em criar o pai Frankenstein dele. Com uma história inventada que responde a algumas perguntas que ele mesmo formulou e nunca teve respostas.


O Cheiro do Ralo chegou aos cinemas em 2007, sob a direção de Heitor Dhalia.

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