Uma coisa é certa: a literatura de Ana Paula Maia é afiada como uma navalha. Na sua "Saga dos Brutos" ela desvenda a alma masculina retratando personagens miseráveis, que vivem a margem da sociedade. São homens de aparência rude, que escondem suas emoções atrás de suas profissões.
"Ernesto Wesley abaixa a cabeça, resignado. Os olhos ardem, lacrimejam, mas ele não chora faz três anos. Não consegue desde então. Suas lágrimas evaporaram com o calor do fogo. O silêncio recai sobre os homens. Estão cansados, mas aprenderam a agir por impulso. Já conhecem seus limites e eles são extensos. A auto-estrada margeia um rio e Ernesto Wesley o observa ao largo de uma extensão que faz seus olhos espremerem-se na tentativa de alcançar os limites das doces e imundas águas turvas, como se procurasse em vagos vãos que estreitam para o fim algum sentido ou destino, mas nem sempre é possível ir além do que os olhos conseguem atingir. Ernesto Wesley é um brutamonte de ombros largos, voz grave e queixo quadrado, porém tudo isso se torna pequeno se se reparar em seus olhos. São olhos profundos, de cor negra e de intenso brilho."
Carvão Animal é a terceira parte da trilogia iniciada com o livro Entre Rinhas de Cachorro e Porcos Abatidos - que reúne as duas primeiras partes da saga. Neste episódio, a autora conta a história de Ernesto Wesley e Ronivon, dois irmãos que têm o fogo como fonte de trabalho. O primeiro é bombeiro, ajuda a salvar vidas. Ele tem resistência ao fogo e ao calor, mas sua sensibilidade ao frio é bem maior. Já Ronivon trabalha em um crematório. Passa o dia no subsolo de um cemitério queimando corpos. E são esses corpos queimados que geram a energia da cidade de Abalurdes, ondem vivem os homens.
"No fim tudo o que resta são os dentes. Eles permitem identificar quem você é. O melhor conselho é que o indivíduo preserve os dentes mais que a própria dignidade, pois a dignidade não dirá quem você é, ou melhor, era. Sua profissão, dinheiro, documentos, memória, amores não servirão para nada. Quando o corpo carboniza, os dentes preservam o indivíduo, sua verdadeira história. Aqueles que não possuem dentes se tornam menos que miseráveis. Tornam-se apenas cinzas e pedaços de carvão. Nada mais."
A história se passa dez anos antes dos acontecimentos narrados nas duas novelas anteriores. É nesse cenário que Ronivon e Ernesto Wesley cruzam seus caminhos com Erasmo Wagner e Edgar Wilson.
Os irmãos dividem a casa com Jocasta, uma cachorra vira lata que tem a função de cuidar do jardim e do minhocário. As minhocas dão uma renda extra para eles, que as vendem desidratadas para os compradores fazerem farinha. Nessa mesma casa eles tentam fugir do passado, principalmente Ernesto Wesley, que não abre as cartas que recebe de seu outro irmão, Vladimilson.
Ana Paula usa uma linguagem cinematográfica e conduz o texto de forma atraente e instigante. Ela consegue falar do universo masculino como se vivesse dentro dele. A influência de Tarantino revelada por ela é visível. Impossível não acreditar que Ana será uma das maiores escritoras dessa geração.
Saiba mais sobre Ana Paula Maia no blog dela
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