terça-feira, 4 de junho de 2013

Quem conta um conto - Vou-me embora...

Quando somos crianças ouvimos falar de lugares fantásticos. Histórias incríveis de aventuras que nos fazem querer colocar uma pequena trouxa de roupa nas costas e fugir para, talvez, nunca mais voltar. A valiosa El Dorado, o reino subaquático de Atlanta, a mágica Hogwarts, a encantada Nárnia. Destinos que não constam nos catálogos de viagem, mesmo das grandes empresas de turismo. Terras distantes que somente são descritas em obras literárias que semeiam saudade de um lugar em que nunca colocamos os pés - bem, não literalmente.

Para grande parte da juventude brasileira que ouvia em sala de aula sobre terras remotas, Pasárgada sempre pareceu um lugar promissor, onde a felicidade não cansa de existir. Embora volta e meia nos deparássemos com a pedra no meio do caminho, apontada incansavelmente por Drummond, Pasárgada era o destino preferido de quem queria fugir. O poeta Manuel Bandeira, e amigo do rei, conta suas aventuras.

"Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive"

De repente a felicidade é encontrada. Aqui, que nada oferecia, torna-se passado. Ações e planos tão simples enfim serão postos em prática. Quando bater a saudade, a infância será trazida de volta, as histórias fantásticas contadas de novo. Em Pasárgada não há espaço para tristeza, melancolia, angústia.

"E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada"

Uma felicidade constituída de coisas supérfluas. O avanço tecnológico e científico mostram um novo mundo onde tudo parece mais simples e estruturado. O preencher das lacunas perturbadoras que vez ou outra atrapalham a felicidade por completo. O erotismo como maneira de suprir uma falta, que não se sabe ao certo o que é, mas que está presente, seja em Recife, no Rio de Janeiro ou em Pasárgada. Muda-se de cidade, de país. Muda-se do real para o imaginário. Mas os sentimentos são bagagens acopladas a nós. Fazem parte do que somos e não podem ser deixadas para trás.

"Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada."




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