O autor J. P. Cuenca |
Em um Quem Conta Um Conto anterior, falei sobre O Filho da Mãe, obra de Bernardo Carvalho, que compõe a coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras. Hoje, proponho uma viagem a Tóquio com o livro O único final feliz para uma história de amor é um acidente (2010), de J. P. Cuenca. Não é novidade que paixões acabem em tragédia, mas afirmar que essa é a possibilidade de um fim feliz é de um estranhamento automático. Com personagens únicos, o texto discute a relação humana em tantos níveis que é possível se perder e se achar ao virar das páginas – ou ao virar alguma esquina da grande metrópole.
O primeiro relato é da personagem mais incomum. Uma boneca feita sob encomenda aparece vez ou outra refletindo sobre a relação que tem com seu parceiro, um homem poderoso que ficou viúvo. As cinzas da esposa foram depositadas dentro da boneca que é tida como companheira. Yoshiko aprende as lições dadas por Sr. Atsuo Okuda. Yoshiko é justamente do modo como o Sr. Atuso Okuda deseja. Um relacionamento perfeito que se encaixa sob medida. Um corpo que carrega em si o significado de um amor que se foi, mas antes construiu toda uma vida.
Por sua vez, Sr. Atuso Okuda é uma figura tão exagerada que quase é folclórica. Um homem poderoso que monitora os passos de pessoas que vivem em Tóquio. Nas profundezas, abaixo do esgoto e do metrô, um submarino vigia e grava imagens e sons de quem está na superfície. “Olhar e ser invisível.” A espionagem do cotidiano de milhões de pessoas. Nenhum segredo escapa, nenhuma emoção transborda.
Edição de 'O único final feliz
para uma história de amor é um acidente' |
Shunsuke Okuda é o narrador do livro. É complicado ter uma visão definida sobre o personagem. Não tem como saber ao certo se ele monta ou embaralha ainda mais o quebra-cabeça. Com um problema bem claro de relacionamento com o pai, o Sr. Atuso Okuda, Shunsuke se sente sufocado pela ininterrupta observação do mesmo. O controle que chega a estrangular de repente não tem tanta pressão quando ele começa um relacionamento com a estrangeira Iulana Romiszowska, uma mulher vivida que vai para Tóquio e trabalha como garçonete. Esse caso de amor é o que inspira o título do livro. Iulana, inicialmente vista como a pessoa a substituir a ex-namorada Misako, aos poucos se transforma em uma dependência.
Iulana era justamente o oposto de Shunsuke. Uma mulher segura, decidida, vivida. Uma estrangeira que decidiu se arriscar perante o desconhecido. Sem delongas, sem dramas. É ela quem quebra a rotina do companheiro e constrói junto algo novo – o que a torna bem especial. Uma figura que pouco conta sobre si, mas que muito faz com que o narrador reflita – e enlouqueça – sobre a vida que levava e tenta deixar para trás.
O fim é previsível, o título entrega. Nem todo mundo vê uma bela história de amor como algo bom.
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