Marjori é mãe de três filhos, já foi bailarina, se considera negona por dentro, gosta de caldinho de feijão do Antônio's Bar e do sanduíche de pernil com abacaxi do Belmonte. Conhecida como a vocalista da extinta banda Luxúria, ela atende pelo nome artístico de Megh Stock, dona de uma voz doce e rasgada que canta punk, grunge, jazz e até samba. No último sábado (27), ela retornou ao Rio de Janeiro, depois de um longo (muito longo!) tempo sem fazer shows na cidade, para apresentar sua nova turnê - Marimbondos (veja a resenha). No intervalo entre a passagem de som e o aquecimento para a apresentação, Megh conversou com o STEAM enquanto saboreava seu amado caldinho de feijão na boêmia Lapa e esbanjava simpatia com sua equipe e banda.
STEAM: No ano passado você disse que ia dar uma pausa na carreira por tempo indeterminado. Por que você decidiu isso?
Megh Stock: Eu parei quando eu engravidei. Meu filho tem um ano e meio ainda. E quando meus filhos nascem eu passo um ano... pelo menos o primeiro ano de vida deles eu não trabalho. Eu fico em casa porque eu acho importante para a evolução, para o desenvolvimento da criança, para o meu conhecimento. E já que eu posso fazer isso, tenho esse privilégio de não precisar trabalhar, eu fico em casa. Então eu acho justo dar uma pausa e voltar quando a coisa estiver mais encaminhada.
STEAM: Qual a proposta dessa turnê Marimbondos?
MS: A gente está com esse show novo e, na verdade, eu acho que é a primeira vez que eu inseri de uma forma mais homogênea, equilibrada, músicas dos três discos, porque como a direção foi mudando muito conforme eu fui fazendo os outros discos sem o Luxúria, eu tinha um pouco de receio, ou até não cabia mesmo nos ensaios inserir as coisas do Luxúria. Mas agora a banda tomou um corpo diferente, a gente experimentou outras coisas, tem música nova, e a gente conseguiu um balanço, conseguiu equilibrar as músicas desses três discos. Entao essa é a proposta, tocar um pouco de tudo. E vou continuar só tocando agora, nada de estúdio... Eu mal trabalhei o último disco, eu engravidei logo no início. Então eu acho que agora eu quero tocar um pouco, e eu vou sempre com um pé no freio porque meus filhos são muito pequenos e eu sou uma mãe totalmente psicótica, totalmente neurótica. Sou muito grudada com eles, para mim é muito difícil. Hoje eu estou sofrendo muito.
STEAM: Quando o Luxúria surgiu, o som agressivo chamou muita atenção. Naquela época, o quais eram suas influências e o que te motivou a tocar rock?
MS: Eu tenho muitas influências. É uma miscelânea na minha casa, porque meu pai toca muito violão e é totalmente da MPB. Meu pai toca João Bosco... Toda escola de música popular brasileira que eu tenho, vem do meu pai. E a minha mãe é roqueiraça. Minha mãe ouve coisas que nem eu ouço. Linkin Park fazendo almoço, entendeu? Ela é totalmente do rock. Também tive toda essa influência e daí misturou tudo e acho que isso me fez escrever, também, coisas que você pega no violão e parece muito MPB. E, obviamente, eu só tinha amigo da pá virada, músicos, que colocavam o dedo ali nas minhas músicas e a coisa se transformava. Mas, o [Luciano] Dragão foi o cara que mais me trouxe pro rock mesmo. Ele queria montar a banda, a gente montou, e a banda foi ficando pesada, pesada, e aí a coisa foi acontecendo. Banda é a química que vai aparecendo, não tem cartilha pra isso.
STEAM: Com a banda lançando o disco por uma grande gravadora, foi mais fácil para divulgar o trabalho ou vocês tiveram que atuar ainda como uma banda independente?
MS: A princípio foi maravilhoso. O alcance que a gente teve foi muito importante, conseguir me infiltrar em muitos lugares. Obviamente que é uma porta muito grande. Mas a gente também fez, durante um período após a gravadora grande, uma gravadora um pouco menor, em um esquema um pouco menor, que foi também do caralho. A gente entrou na estrada tocando em casa pequena, tocamos no Brasil inteiro, foi muito legal. Tanto que hoje eu curto para caralho isso. Eu gosto de tocar em casa pequena, esse tamanho pra mim está muito bom. Eu não tenho muito essa ambição de ser mainstreaming, não. Eu quero tocar, ver a coisa andar com dignidade e foi.
STEAM: Na época você esperava que a banda tomasse a proporção que tomou, e abrisse shows pro Evanescence?
MS: Imagina. Esperava nada. Eu nem cantava direito. Eu nem pensava em ser cantora quando tudo começou. Eu era bailarina. Acho que nem estava preparada para tanta coisa assim. Aconteceu tudo muito rápido. Depois disso eu acho que sim, aí a coisa engrenou, eu fui aprendendo como tudo funciona, mas no começo eu não esperava nada.
STEAM: Como foi voltar aos palcos agora?
MS: Eu tenho os melhores fãs do mundo. Não tenho o que falar deles. Meus fãs são muito fiés, chegam a ser muito insistentes até. Tinha momentos na minha vida que eu pensava: ‘Gente, não acredito. Estou aqui em casa, toda fodida, com filho no peito, mexendo panela, e as pessoas pedindo pra eu tocar, para eu voltar’. É muito legal.
STEAM: E é possível viver só de música sendo uma artista independente?
MS: Dentro da minha proposta de vida, eu freio um pouco. Dá pra fazer, acho que dá pra viver sim. Existe já uma cena, e acho que existe uma cena regional, existem lugares no Brasil, em estados que tem uma cena muito forte. No Sul, por exemplo, eles nem saem de lá. A cena independente deles é muito forte. E tem os seus nichos, o eixo Rio-São Paulo. O rock é um seguimento que proporciona essa cena. Então eu acho que dá pra fazer, e dá pra fazer bonito!
STEAM: A cena em São José dos Campos é muito grande também...
MS: Hoje O Disco Voador vai tocar com a gente. Lá tem uma puta cena, tem uma porrada de gente boa. O Vale do Paraíba é riquíssimo culturalmente, a música de lá é sensacional. E tem uma característica própria. Eu vejo uma característica ali, eu vejo uma liga ali nas bandas. Sou suspeita para falar, mas é verdade. Quem vai para lá e vê as bandas, sabe que tem algo acontecendo ali.
STEAM: Nos trabalhos solo o rock continua presente, mas de uma maneira mais sutil. Em compensação você apostou em estilos diferentes como jazz e o blues. Como foi essa transição sonora?
MS: Sempre foi uma paixão minha, né? Eu acho que eu sou negona. Tenho certeza que eu sou. O que você está vendo aqui por fora é mentira. Eu ouvi muito Etta James na vida, muito blues. Eu sou apaixonada pelo blues. Acho que tanto pelo rock, se não mais. Uma coisa que eu sinto muito forte em mim. E isso começou a sair, porque tem coisa que não dá para controlar. Então eu comecei a compor de uma maneira diferente, e o blues começou a ficar muito latente, então eu sempre respeitei muito isso. Acho essencial para um artista respeitar a própria verdade. Fazer com sinceridade. Porque se não a coisa cai. Quando fica fake não funciona. Pode até funcionar por um tempo, mas é superficial. Então como eu sempre respeitei o que eu queria fazer, e sempre tive pessoas do meu lado que abraçavam minha causa, eu falava: ‘Eu estou afim de fazer isso agora, foda-se. Vou fazer. Não vou continuar com o Luxúria só porque era uma banda que estava grande. Não estou afim agora.’ Fiz e não me arrependo.
STEAM: Como você lidou com as críticas dos fãs e da imprensa?
MS: Tranquilamente. Crítica sempre vem. Se continuasse no mesmo iam falar que eu estava repetindo fórmula. Se muda, você está sendo desleal... Não dá pra agradar gregos e troianos e eu nem espero isso, porque é impossível. Nem a mim eu agrado o tempo todo, quem dirá aos outros.
STEAM: Num próximo disco, você acha que vai continuar apostando em sonoridades novas ou pretende retomar o rock mais pesado da época do Luxúria?
MS: Eu não estou pensando em disco, mas a música nova que a gente inseriu no show, que a gente adotou como o nome da turnê, que é “Marimbondos”, é pesada para cacete. É bem pesada. O Davi [Oliveira – guitarrista], que é meu parceiro, leva as coisas mais pesadas, e as músicas que a gente tem são as mais pesadas. Então eu acho que, também pela maneira que a banda tem se comportado, acho que a pegada vai ser mais rock and roll.
Marimbondos: André Moura, Davi Oliveira, Megh, Ricardo Pakal e Rodrigo Bala |
STEAM: Você não pretende voltar com a formação com teclado e metais?
MS: Acho que não. Agora é só guitarra. Aquela banda era foda. Mas o batera [Ricardo Pakal] e o Davi continuam...
- Momento De Frente com Davi -
Davi Oliveira: Agnaldo Rayol, o que você acha dele?
MS: Acho ele talentoso.
DO: E o Cauby Peixoto?
MS: Lenda viva, né? Rs
DO: E esse cabelo, foi inspirado em quem?
MS: No Lion-O, do ThunderCats.
DO: E Dercy Gonçalves, o que você acha dela?
MS: Imito! Chega! Para!
DO: E esse caldinho? O que você está achando?
MS: Huumm, bom pra caralho!
- Fim do momento De Frente com Davi –
STEAM: Qual sua relação com a internet e a divulgação das músicas em streaming?
MS: Eu acho muito legal. Lá em casa é tudo conectado. A gente compra disco pelo iTunes, tudo ligado na minha casa.
STEAM: Você pensa em lançar um disco em vinil algum dia?
MS: Claro! Acabei de comprar uma pick-up. Vou lançar tudo ainda em vinil. E o meu aparelho de vinil tem cabo USB, dá pra conectar tudo! Sem abandonar a essência.
STEAM: E download gratuito?
MS: Eu acho bacana para conhecer. Mas depois eu acho honesto comprar e ter o material. É uma perda muito grande? Lógico, porque é todo um bombom. Você está comendo um bombom mastigado. Você não vai abrir a embalagem, olhar, ver as fotos. Acho que tudo é uma questão de contexto, sabe? Eu pelo menos sempre enxerguei assim. Você faz um disco, tem o trabalho de fazer fotos pra ele, tem uma arte envolvida... Vinil então é um puta materialzão. É uma delícia de ver. Aí você fica lá e é um negócio limitado, né [o MP3]. Parece um monte de gente louca só de cabecinha abaixada.
STEAM: Você tem o plano de gravar um DVD?
MS: Tenho. Me aguarde. Acho que vai demorar um pouquinho mas vai rolar. Eu tenho que fazer isso.
STEAM: A literatura te inspira a compor também? Que escritores você admira?
MS: Tudo me inspira. O comportamento das pessoas me inspira, livro me inspira, filme me inspira. Demorei muito para ler Nelson Rodrigues, porque eu tinha preguiça de ler o texto dele. Eu gostava muito de ver, mas tinha preguiça... Mudou totalmente minha forma de escrever. Porque ele é coloquial pra caramba, e eu descobri que podia ser coloquial sem cair no brega. Eu achei que podia falar e ficar bom. Não fico com restrição de palavras. É isso que o Nelson Rodrigues me fez. É um exemplo. Gabriel García Márquez também me desperta algumas coisas. Clarice Lispector... Os existencialistas mexem muito comigo também.
STEAM: Além de músicas, você costuma escrever histórias, poesias, textos?
MS: Já escrevi mais. Já fui colunista, mas eu ando ouvindo muito Palavra Cantada, tô em um momento muito mãe e não tenho tempo de fazer nada. Não consigo sentar para escrever. Troco fralda o tempo todo.
STEAM: Qual o disco ou banda você mais tem ouvido ultimamente e gostaria de indicar?
MS: Eu tenho ouvido muito uma banda que se chama He’s My Brother She’s My Sister. Que é uma banda norte-americana que a baterista é uma mina que sapateia em cima de um tablado e toca bateria com as mãos. É animal! Recomendo muito. Tem dois vocalistas, um cara que toca pra caraca, canta. É um som folk, viajante, setentista...
Um comentário:
Entrevista do caralho! Parabéns ;)
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