terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Quem conta um conto - Quando a multidão pensa por si só

Uma das grandes surpresas, e a maior satisfação, ao ler Entre os vândalos: a multidão e a sedução da violência é graças à fuga do óbvio. Eu que já vi alguns (muitos) programas sobre os hooligans fui surpreendida ao me deparar com o olhar do jornalista Bill Buford.  Além de não trazer relatos frios de confrontos entre as torcidas. Buford deixa de lado o papel de expectador para ser observador, trazendo reflexões sobre o que, afinal, parece instigar as massas.

O jornalista americano se depara com características únicas da sociedade inglesa que podem ajudar a explicar o comportamento explosivo das torcidas dos times de futebol. Comparando esse tipo de confronto com manifestações políticas e sociais, Buford aborda de um ângulo pouco explorado o sentimento de pertencer a um grupo: por que nos transformamos quando estamos próximo a pessoas com o mesmo ideal?

O livro foi desenvolvido com base nas experiências vividas pelo jornalista na década de 80. Ele foi a fundo para conhecer a ideologia das principais torcidas inglesas de futebol. West Ham, Chelsea, Manchester United, Totteham, cada torcida tem seu próprio conjunto de regras, seu modo de se organizar e um poder tão forte que chega a fugir do controle até mesmo dos times. Buford desmistifica o padrão do torcedor hooligan e critica se, na verdade, nós é que somos os responsáveis por alimentar esse mito.

“Lembro-me de ter pensado: se o dia se tornar mais violento, quem deveria ser responsabilizado? Os ingleses, cujo comportamento na praça poderia ser considerado de tal modo provocativo que eles mereciam o tratamento que fosse? Os italianos, cujas boas-vindas consistiam em dirigir insultos a seus visitantes? Ou se poderia atribuir parte da culpa a esses homens com seus equipamentos televisivos e suas câmeras, cujas imagens pouco representativas serviriam tão somente para reforçar aquilo que todos já esperavam de antemão?” (págs. 76 e 77)


Os torcedores fanáticos que Buford conhece acabam por enfraquecer as premissas que pareciam verdadeiras. Socialmente, as pessoas não eram marginais. Cada um com seu trabalho, fosse como pedreiro ou como um quase mafioso. Jovens de famílias estruturadas, com pais preocupados que poupam para pagar o curso universitário dos filhos. O que afinal motiva as pessoas a seguirem uma onda de violência que parece sem explicação?

Aos poucos, surgem líderes que ditam as regras do jogo para fazer parte de uma torcida. Um rosto estranho entre milhares de fanáticos é facilmente identificado e encarado com desconfiança. A violência quando a coisa “explode” vai além do ato de barbárie e do cenário de guerra que se instalava instantaneamente nas proximidades dos estádios. A brutalidade desse comportamento se mostra convidativa. É o rompimento com o sufocamento social. É uma antítese, em que cada um pode se sentir único, ao mesmo tempo em que é massa. Quando os indivíduos se unem, a multidão pensa por si só.

“Existe uma expressão, ‘tornar-se parte da massa’. Trata-se, de certa maneira, de uma questão de linguagem: quando as ações de diferentes indivíduos são semelhantes e coerentes o suficiente para obrigar-nos a descrevê-las como atos de um corpo único, com um sujeito simples e um verbo no singular.” (pág. 165)

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