terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Quem conta um conto - "Morrer é um instante"

O autor Rodrigo S. M. apresenta o difícil trabalho da escrita ao relatar a história de Macabéa. Ele não deixa claro como sabe sobre a alagoana que a todo tempo pede desculpas por simplesmente existir. Macabéa representa a figura do herói desorientado, que ganha destaque enquanto não consegue colocar a si próprio em um lugar.

Em A hora da estrela, Clarice Lispector põe esses dois personagens em destaque. Enquanto Rodrigo apresenta os questionamentos (ah, quantos questionamentos) sobre o autor exercer sua função de narrar, Macabéa traz a tona temas sociais e do que, afinal, é a vida. Embora no meio de tantas perguntas, não espere encontrar respostas nas linhas do romance. Talvez seja você, leitor, quem pode solucionar tantas dúvidas.

“Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo ma dê. Vós?”

Macabéa é uma alagoana de origem pobre que foi criada e educada – ou seria amedrontada? – pela tia. Pouco antes de ficar só no mundo, Macabéa mudou-se para o Rio de Janeiro, cidade tão movimentada que a presença da figura frágil e feia – como é descrita –, não é notada. Habituada a ter o mínimo necessário para se manter viva, Macabéa parece somente ter a piedade do autor que conta sua história, embora ele próprio não consiga entendê-la. É instigante procurar em cada linha, o motivo pelo qual ela age de maneira automática. Afinal, disseram que ela deveria ser feliz, então era.

“Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” Cairia estatelada em cheio no chão. É que “quem sou eu?” Provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.”

Macabéa leva uma vida que poderia ser chamada de simples se fosse fácil viver assim. Com dinheiro contado, as refeições do almoço são cachorro-quente, os filmes no cinema só podem ser vistos no dia mais barato, quanto mais açúcar no café, melhor e não tem como pagar o remédio para a tuberculose que acaba de ser diagnosticada. As verdades e reflexões são ditas pelo locutor da Rádio Relógio, que nem sempre são entendidas já que as palavras são estranhas.

Contentar-se com pouco tem um limite, mas não para Macabéa. Se possível, ela pede perdão por conseguir sobreviver assim. Ela aprendeu a se sentir como um incômodo desde quando vivia com a tia. Embora ainda consiga ser sonhadora, qualquer plano sempre é esfarelado antes que se torne maduro.

O namorado Olímpio não age como tal. Sempre em tom de grosseria, ele mantém uma relação distante com Macabéa mesmo estando do lado dela. Sem intenções de incluir a moça em seus planos, ele acaba deixando-a para ficar com Glória, a secretária que recebe elogios e atenção do chefe – a paixão secreta de Macabéa.

Enfim a personagem consegue descanso quando o futuro dito pela cartomante tem um erro, mas todo o restante se encaixa. Até mesmo o narrado da história de Macabéa, Rodrigo, somente se dá conta de que no final, todos têm o mesmo destino.

“Ela estava enfim livre de si e de nós. Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça. Desculpai-me esta morte.”

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia e foi naturalizada brasileira. A hora da estrela foi o último romance publicado em vida pela escritora e o penúltimo escrito. Em 1985, a obra foi adaptada para o cinema por Suzana Amaral.

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