sexta-feira, 10 de maio de 2013

Na Tela - Um longo desconforto


Mais do que abordar o tedioso ritmo que a vida começava a ganhar, Estranhos no Paraíso (1984) transmite ao espectador o desconforto que os personagens têm na pacata rotina. Em seu filme de estreia, Jim Jarmusch dá espaço ao universo de uma geração que parece ter ficado apática. As cores artificiais da televisão dão um tom diferente a realidade que não é experimentada pelo comodismo de não querer sair do lugar. As junk foods começam a surgir. A sociedade americana cria e adquire padrões nocivos.

Eva (Eszter Balint) é a prima distante que vem da Hungria e acaba de chegar aos Estados Unidos sem planos definidos. Na casa do primo Willie (John Lurie), ela é quem questiona determinados hábitos que parecem já tão enraizados que mal consegue uma explicação plausível. Tudo segue um desenrolar tão natural que Willie não processa o porquê de ter determinadas escolhas.


Os planos são parados e o preto e branco da imagem cansam na medida certa. A estética é proposital. Embarcamos no tedioso universo de uma vida que não tem nada a oferecer. Os poucos diálogos refletem os poucos questionamentos. Os personagens mais fumam do que fazem qualquer outra coisa. Um cigarro é acesso atrás do outro. Além de um vício, um ato mecânico. Não é preciso pensar muito. Já se está condicionado a repetir e repetir.

Com certeza esse não é o tipo de filme indicado para pessoas que esperam grandes aventuras. Sem revira-voltas, o roteiro traz a reflexão das tentativas em vão para mudar a si próprio. Acostumados a viver em um padrão, é difícil se desvencilhar de hábitos quando se está cercado por eles. Toda a sociedade parece absorvida ao tédio da vida desfrutada através da televisão. Os encontros de família são em silêncio diante da tela na sala. A diversão é o cinema, uma realidade ampliada, e ainda artificial.

Talvez um dos pontos altos de reflexão é a cena em que Eva, Willie e o amigo Eddie (Richard Edson) vão ver um lago e o encontram congelado. Mesmo assim eles vêem a paisagem como bela. A luz natural conseguiu quebrar a hipinose da artificial iluminação da TV.

A viagem à Flórida planejada pelo três personagens não sai como planejada. As praias não eram tão bonitas com o céu nublado e não há meninas de biquíni se bronzeando. Sem qualquer mudança, a rotina monótona permanece assolando-os.

Estranho no Paraíso é um típico filme "ame-o ou odeie-o". Talvez toda a construção estética dele, com seus planos praticamente imutáveis e seus cortes secos com telas pretas sejam mal interpretados e venham a causar exaustão no expectador. Até mesmo o desconforto pode ser tanto ao ponto de gerar um reflexo não tão positivo. Acho que a experimentação é válida e, no mínimo, interessante além do normal.


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