quarta-feira, 4 de junho de 2014

Faixa a Faixa - Trocando a pele

Pitty - SETEVIDAS (Deck - 2014)
Pitty é daquelas artistas que muita gente ama - exageradamente - e um outro tanto odeia. Mas ela não parece se importar muito com isso. A cantora que surgiu na grande mídia acompanhada de uma banda potente há onze anos, lançou esta semana seu quarto disco de estúdio, SETEVIDAS (Deck). Depois de passar dois anos trabalhando com o Agridoce a influência do projeto paralelo é sutil, mas bem presente nesse novo álbum. Pitty mostra mais a voz, sem a necessidade de gritar para passar sua mensagem e cria canções com camadas de piano, sintetizadores e tudo que faça barulho - tem espaço até para extintor de incêndio.

Em SETEVIDAS, Pitty continua com as letras existencialistas, falando de renovação, de amor, de ansiedade... Algumas vezes mais às claras, outras nas entrelinhas. Comparado ao seu antecessor, Chiaroscuro (2009 - Deck), que era mais eclético e um pouco confuso, esse trabalho é mais coeso, mais pesado. Funciona mais como uma continuidade da sonoridade do Anacrônico (2005) e a profundidade nas letras do álbum anterior.

"Pouco" abre os trabalhos. Letra estruturada em forma de poesia acompanhada de um arranjo sujo e garageiro construído pela guitarra de Martin, a bateria de Duda e o baixo de Guilherme Almeida, novo integrante da banda. Os ouvintes mais atentos já conseguem identificar nessa primeira faixa os elementos de percussão que a cantora inseriu no disco. Caxixi, agogô... eles vão aparecendo sutilmente ao longo do trabalho até explodir na mística "Serpente". Mas vamos falar dela depois.

"Deixa Ela Entrar" tem a mesma pegada dos primeiros trabalhos da artista, rápida e empolgante, que deve se transformar em um dos melhores momentos dos shows. Guilherme Almeida mostra a que veio na abertura de "Pequena Morte". Com um riff à la Queens of The Stone Age, o baixista dá a deixa para Pitty cantar sobre amor e sexo de uma maneira poética e cheia de metáforas. "...é uma agressão dizer pra um bicho não caçar". O amor também parece em "Um Leão", com uma melodia potente, que fala da relação entre presa e caça, cujo ritual parece ser representado na batida tribal do refrão.

Em algumas entrevistas sobre o lançamento, Pitty afirmou que o ano 2013 foi difícil pra ela. Entre os acontecimentos, a morte do ex-guitarrista Peu Sousa e a saída turbulenta de Joe do grupo parecem ter inspirado algumas letras do disco. É o caso de "Lado de Lá", que com passagens que psicodélicas e trechos que lembram as canções mais orquestradas do Muse, fala sobre a morte do guitarrista e do compositor Lou Reed. A canção começa serena, mas explode em uma catártica jam de arrepiar os pelos.

"Olho Calmo" é uma das melhores faixas da carreira de Pitty. O arranjo melódico, arrastado, denso, parece ter sido criado durante uma jam session e é repleto de climas que crescem ao longo da música e reforçam a letra que faz uma reflexão sobre a paciência e o rancor.

Um ensaio sobre a ansiedade, imediatismo e os refúgios para o vazio que sentimos, é como podemos definir "Boca Aberta". A reta final do disco tem dois refrões chicletes. Mais uma ode à banda de Josh Homme, "A Massa" é pesada e é impossível ouvir sem ficar cantarolando "bota fermento nessa massa, deixa fermentar". É Pitty dando a receita da paciência, que é como uma massa a ser preparada, e refletindo a ansiedade . Outro refrão extremamente fácil é o da faixa-título. "SETEVIDAS" é direta. Mesmo passando por poucas e boas, a cantora segue firme e forte, e vai ser difícil tirá-la do páreo. Caso queira tentar, terá que gastar algumas vidas.

O ponto alto do álbum é "Serpente". Reunindo todos os elementos de percussão da música africana, a banda cria uma melodia mística, que leva paz ao ouvinte. Pitty canta a renovação, em uma das faixas mais otimistas de sua carreira. Apesar das tribulações, a letra diz que "logo mais a manhã já vem" e a serpente troca de pele. Para completar o clima, ela entoa o mantra "Om Namah Shivaya" - algo como "eu honro o Deus que habita em mim". É com as esperanças renovadas que Pitty encerra o trabalho mostrando que a vida é matéria para produzir arte e que toda mudança é bem-vinda.

Ouça o disco:

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